Mariana
Wiecko V. de Castilho
No
período de 12 a 23 de junho de 2023 foi realizado pela UnB um Curso
de Extensão para bolsistas indígenas e quilombolas das Nações
Unidas sobre o sistema de proteção universal de direitos humanos. O
objetivo foi o de preparar as lideranças indígenas e quilombolas
selecionadas pelo Programa de Bolsas do Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) para melhor aproveitamento
do curso em Genebra/Suíça, que é oferecido nas línguas oficiais
da ONU (inglês, francês, russo, chinês e espanhol). A maior parte
das atividades ocorreu no Centro de Formação Vicente Cañas, do
Cimi, em Luziania/GO. Elas aconteceram também, em Brasília, na Casa
da ONU, no Conselho Nacional de Direitos Humanos, na Defensoria
Pública da União e na Maloca (UnB). Para que o curso acontecesse
houve uma articulação entre instituições acadêmicas (UnB, UFGD,
Unila), organizações da sociedade civil (Cimi, OAB, Fundação
Ford), organizações internacionais (ACNUDH, ONU Mulheres, Unicef),
organizações indígenas (APIB, ANMIGA, FIMI, CONAQ), órgãos
governamentais (MPI, Funai, Sesai/MS, CNDH, MPF, DPU). Participaram
como discentes 20 jovens, indígenas e quilombolas de
aldeias/comunidades de Norte a Sul do país, sendo que dez deles/as
seguiram no dia 24 de junho para o curso em Genebra.
Foram
15 dias de imersão e coaprendizados em temas relacionados a
direitos: alimentação, saúde, educação, infância/juventude,
mulheres, natureza. Permeando os debates, tratados/convenções e
declarações internacionais foram estudadas e objeto de reflexão a
fim de contribuir para postulação de petições no âmbito do
Sistema Interamericano de Direitos Humanos e da ONU para fazer cessar
ou reparar violações de direitos dos povos indígenas e
quilombolas.
Em
pouco tempo, os bolsistas perceberam que o Sistema ONU e suas
agências são falhas e representam interesses dos Estados Nacionais.
De qualquer modo entendem que precisam ocupar esses espaços para
fazer a re-existência, que seus sentires-pensares, suas vozes e
narrativas plurais sobre suas formas de fazer, ser, saber e viver
ecoem nesses espaços ainda coloniais.
Afetos,
partilhas, cantos-rezas foram importantes para que as densas
atividades/aulas, como o aprendizado de uma nova língua – espanhol
– colonial, pudessem ser mais suaves e ter um influxo decolonial.
Participei
de grande parte das atividades e sinto saudade delas e das trocas que
fizemos. Me sinto privilegiada e feliz por ter vivenciado esse curso
inédito, e de ter compartilhado sementes verdadeiras de milho Mbya
Guarani.
Estamos
em pleno inverno tropical. Na Europa faz um verão de temperaturas
elevadas, que comprovam a emergência climática da Terra. Desde 26
de junho, os/as 10 bolsistas indígenas e quilombolas estão
partilhando saberes com outros povos no Sistema ONU e aprendendo como
de fato funciona esse sistema. No Brasil temos acompanhado a
trajetória desses/as jovens, que deixaram seus territórios, suas
famílias, estudos e trabalho para se lançar para o mundo e levar os
esperançares de 305 povos indígenas e mais de 6.000 comunidades
quilombolas.
Estar
no espaço da ONU em âmbito internacional não deve estar sendo nada
fácil. Os desafios são inúmeros. Reporto o que foi mencionado por
uma das bolsistas, Alcineide Piratapuya, do Rio Negro/ Amazonas,
estudante de Relações Internacionais:
“ocupar
esse espaço é desafiador especialmente no que diz respeito à
língua, pois, quando se faz uma intervenção não conseguimos
passar a informação de fato, a emoção que passamos quando se fala
na nossa língua”.
O
sentimento de Alcineide me fez lembrar da fala do Ministro dos
Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, que a todos emocionou
com sua presença e carinho no curso em Brasília:
"Fiquem
vivos, vocês são a esperança do povo brasileiro e dos povos
indígenas e quilombolas".
Brasília,
20 de julho de 2023.