O despertar - A retomada levada a cabo pelo Povo Terena
por Cláudia Cavalcante
23h06min
Eloy Terena, ao centro, durante a defesa de sua tese. |
Para
entender um pouco sobre o processo de retomada
levado a cabo pelo Povo Terena, localizada no estado de Mato Grosso do Sul,
o Blog do Moitará entrevistou o advogado e pesquisador indígena Eloy Terena, doutor
em Antropologia Social pelo Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), e doutorando
em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Universidade Fluminense (UFF),
para
falar de
sua tese de doutorado.
A
tese
de
Eloy Terena
aborda
o despertar
do Povo Terena para os seus direitos, a
organização das lideranças no
Conselho Terena de
Mato Grosso do Sul
e
a retomada dos
territórios tradicionais como exercício
legítimo de direito.
O
autor faz uma abordagem crítica da
história de seu povo,
a partir dos escritos históricos e antropológicos já trabalhados
por outros pesquisadores não indígenas.
Blog
do Moitará: O
que motivou a escolha do tema?
Eloy
Terena: Antes mesmo
de resolver estudar antropologia, duas coisas me incomodavam. A
primeira era saber mais da minha própria história, dada a
limitação, num primeiro momento, da memória de minha família
Terena, o que é perfeitamente compreensível diante do contexto
histórico por que meus antepassados passaram. Quando buscava
informações em livros e em material produzido, notei que os autores
unanimemente repetiam sempre as mesmas coisas: que os Terena vieram
do Chaco
e sua história era dividida em três ou quatro tempos. A segunda,
deriva desta mesma afirmativa, que começou a me incomodar já depois
de graduado, quando fui atuar enquanto advogado nos processos
judiciais. Era e ainda é, muito recorrente os advogados dos
fazendeiros sustentarem suas defesas afirmando que os Terena não
podem ter terra porque não são brasileiros, e sim oriundos do Chaco
paraguaio.
Estes dois pontos constituem razões decisivas para minha decisão de
cursar o doutorado em antropologia e averiguar de perto a discussão
em torno dessas afirmações não refutadas.
Blog
do Moitará: A
sua pesquisa traz à baila a discussão da presença Terena nos
escritos etnográficos e como categorias presente nesta discussão
podem ser rearticuladas e contribuir para a antropologia enquanto
ciência. Nesse contexto, qual papel do pesquisador tendo em vista
que és
um Terena?
Blog
do Moitará: -
Como foi estudar o seu próprio
povo?
Eloy
Terena
- Quando ingressei
no programa de doutoramento me fizeram esse
mesmo questionamento, já que é corrente e
tradicional na antropologia estudar “o outro”. Neste ponto
resgato mais uma vez minha história de vida, calcada na minha
origem: não é possível fazer esse dissociamento. Para nós, povos
indígenas, a única razão de deixar a aldeia e ingressar na
academia é ter a certeza que poderemos nos apropriar desses “ditos
conhecimentos científicos”
e de alguma maneira usá-los em prol de nossa comunidade. É a
oportunidade do pesquisador indígena, enquanto representante de seu
povo, falar em nome dele. Como é corrente entre nós a expressão
“já chega do purutuyê
[branco]
falar por nós! Nós temos que
falar por nós agora, é para isso que enviamos nossos jovens para as
universidades, para competir de igual”.
Além disso, é momento oportuno para (re)ver tudo que foi escrito
sobre nós pelos antropólogos. A terceira justificativa é de ordem
social, pois neste trabalho pretendo, além de refletir criticamente
sobre a história do povo Terena e sobre as relações interétnicas
estabelecidas com o purutuyê,
pretendo assentar balizas que demonstrem como o saber histórico e
antropológico pode contribuir para o reconhecimento de direitos,
especialmente o direito originário sobre os territórios
tradicionalmente ocupados.
Blog
do Moitará – O que dizer sobre indígena antropólogo?
Eloy Terena na TI Taunay Ibegue, durante ritual. |
Eloy
Terena – O
“indígena antropólogo não vai a campo”, no sentido
tradicional. O indígena antropólogo faz o caminho inverso, pois ele
possui a vivência e os ditos “conceitos nativos” e busca
contrastar com a teoria dos antropólogos não indígenas. Se
eu não
fosse um Terena, provavelmente iniciaria o meu trabalho descrevendo
como foi minha chegada ao campo, o contato com o grupo pesquisado e a
apresentação do etnógrafo. Mas, indígena antropólogo não vai a
campo no sentido tradicional, o processo é inverso. Esta
confrontação de si próprio diante do grupo é que me chamou
atenção. Por isso julguei fundamental, antes de refletir sobre este
ponto, resgatar minha trajetória pessoal. Onde nasci, a qual família
eu pertenço, as relações políticas dentro da comunidade, o
movimento indígena e quem são meus “troncos”.
Esta “confrontação”
eu senti na pele quando olhei para a posição que ocupava no meu
grupo de origem e no movimento indígena. Veio à tona a lembrança
que vivi quando criança, de uma importante reunião entre caciques
Terena à espera do procurador e do antropólogo da FUNAI. Era um
acontecimento importante na comunidade e de repente essas duas
figuras estavam reunidas em mim. Em 2015, após três anos de
exercício da advocacia, meu nome era corrente em todas as
comunidades Terena como o defensor dos direitos dos povos indígenas.
E quando de meu ingresso no Museu Nacional para o doutoramento em
antropologia social, o acontecimento foi comemorado por muitas
lideranças, pois além de advogado, agora seria também antropólogo.
Isso significava mais do que um ganho pessoal, era tido como um
reforço à luta coletiva, pois eu estava na “linha de frente”
desses conflitos e estaria ganhando um respaldo a mais, dando uma
qualificação à defesa das comunidades indígenas.
Perfil
Em audiência no Senado/DF, em defesa pela permanência da demarcação das TI na FUNAI. |
Luiz Henrique Eloy Amado - Advogado. Foi membro da Comissão Especial para Defesa Dos Direitos dos Povos Indígenas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Atualmente é assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB. É coordenador da linha de pesquisa Genocídio Indígena no Brasil, no Grupo de Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na era Contemporânea da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp. Fundador do Núcleo de Defesa e Assessoria Jurídica Popular de Mato Grosso do Sul - Najup/MS e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares - Renap.